Crítica | O Grande Golpe do Leste

IImagina que, da noite para o dia, todo o seu dinheiro simplesmente deixasse de valer? Essa não é uma situação tão incomum assim, já acontecendo inclusive no Brasil. É com essa premissa que somos levados à Alemanha dos anos 1990, logo após a queda do Muro de Berlim, em O Grande Golpe do Leste, filme de 2024 dirigido por Natja Brunckhorst e estrelado por Sandra Hüller (Anatomia de uma Queda).
Qual é a história do filme?
Em O Grande Golpe do Leste, a Alemanha vive um período de grandes transformações. Com a queda do muro e o início da reunificação, uma família formada por Maren (Sandra Hüller), Robert (Max Riemelt) e Volker (Ronald Zehrfeld) encontra em um bunker do governo milhões em cédulas que, em breve, não terão mais valor algum.
Com a ajuda dos vizinhos, eles embarcam em uma aventura para trocar esse dinheiro o mais rápido possível e entrar em grande estilo no mundo capitalista. O filme trata, com humor leve e sensível, temas como dinheiro e justiça, amizade e amor, e o eterno embate entre comunismo e capitalismo.
O que funciona?
Apesar de um estranhamento inicial, seja pelo idioma (assisti ao filme com o áudio original e legendas em português), seja por aspectos culturais pouco presentes no nosso cotidiano — O Grande Golpe do Leste acaba se revelando uma história gostosa de assistir.
O plano dos protagonistas, quando é revelado, parece fadado ao fracasso. Invadir uma base do governo logo após a queda do muro, num momento de tensões políticas e sociais ainda muito presentes, não é exatamente uma ideia genial. E não estamos falando de espiões ou soldados bem treinados — são pessoas comuns, que correm riscos reais.
Mas, à medida que a trama avança e passamos a entender melhor o que está em jogo, é difícil não torcer para que tudo dê certo. A primeira oportunidade de usar o dinheiro — que, supostamente, já não tinha valor — se transforma numa chance única não só para a família, mas para toda a comunidade. É o impulso capitalista sendo explorado de forma coletiva e inesperadamente solidária.
E, claro, o clima de suspense que fica com a sensação de que a qualquer momento as coisas podem dar errado e tudo ir por água abaixo.
As relações entre os personagens, especialmente o trio Maren, Robert e Volker, têm nuances interessantes. Maren e Robert são casados, mas ela já teve um relacionamento com Volker — o que sempre traz uma camada a mais de tensão nas cenas em que estão juntos.
Mas a maior força do filme está no uso do humor. Não é nada escrachado, nem caricato. É o humor do cotidiano, aquele que surge das situações inusitadas, do improviso, do comportamento comum em cenários fora do normal. Você não vai rir alto, mas vai sorrir muitas vezes com os absurdos que, de tão plausíveis, viram comédia.
O que não funciona
Algumas cenas são mal resolvidas, especialmente as que envolvem Jannik (Anselm Haderer), o filho mais velho. Muito por conta da atuação fraca, ele soa mais como um estorvo do que como um personagem com função na trama. A ideia era mostrar um jovem adulto de espírito revolucionário, contra o sistema — mas, na prática, ele só cria problemas e pouco acrescenta.
Há também conflitos entre os moradores da comunidade que surgem de forma repentina e sem desenvolvimento, o que enfraquece a mensagem. A intenção é clara: mostrar que, mesmo em um ambiente “organizado”, o dinheiro tem o poder de gerar discórdia. Só que isso merecia mais tempo de tela e melhor elaboração.
E o desfecho, pra mim, não funcionou bem. Ainda que o filme seja baseado em fatos e o caso real tenha sido abafado para não causar alarde sobre a história ocorrida, as liberdades criativas tomadas para imaginar o que poderia ter acontecido saem um pouco do tom. A sensação é de um final meio deslocado da narrativa que foi construída até ali.
Vale a pena assistir a O Grande Golpe do Leste?
É curioso (e até surpreendente) ver uma comédia alemã com uma história tão enraizada na cultura local chegar aos cinemas internacionais — inclusive aqui no Brasil — em um período tão concorrido por estreias de grande porte entre junho e julho. A presença de Sandra Hüller, sem dúvida, ajudou nessa projeção.
E ainda bem que isso aconteceu.
O Grande Golpe do Leste não é um filme perfeito. Está longe de ser. Mas diverte, lança luz sobre uma história que muita gente nem sabia que existiu e traz detalhes riquíssimos que prendem a atenção. Mesmo se passando tão longe da nossa realidade — tanto no tempo quanto no espaço —, dá pra se identificar com a trama. E isso, por si só, já vale a experiência.

3/5
Sobre o Autor

Últimos posts
Filmes12 de junho de 2025Crítica | O Grande Golpe do Leste
Séries29 de maio de 2025Crítica | Abbott Elementary (4ª temporada)
Séries22 de maio de 2025Crítica | Andor (2ª temporada)
Filmes15 de maio de 2025Crítica | Do Sul, A Vingança (2025)